21.3.08

Sexta Santinha...

Hoje é sexta-santa. Nada de carne vermelha. É dia de farra dos peixes, da carne branca. Hoje o bom católico irá se ajoelhar diante do freezer repleto de carne sangrenta e propor ao boi ali congelado uma trégua: "Durante um dia, como prova de minha bondade e respeito à tradição, eu te pouparei. Mas amanhã, como prova de que sou humano, te comerei em dobro!"
Por isso, meu caro beato, hoje (mas apenas hoje) quando você vir o boi da farra, lamente, solidarize-se, veja nele a própria imagem do Cristo injuriado, ultrajado, apedrejado...

Amanhã, vá ao açougue buscar o seu pedaço de boi, que, como você bem sabe, teve uma vida maravilhosa numa bucólica fazendinha verdejante, foi livremente convencido por psicólogos bovinos a dar sua vida por você, indo, sempre voluntariamente, ao matadouro, onde, após receber um doce anestésico, entregou-se à eutanásia praticada pelos ultra-sensíveis homens de branco do matadouro... Que diferença do tratamento que ele receberia se estivesse em Governador Celso Ramos!

Meu Deus, perdoa-os, eles não sabem o que fazem...
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Uma dica do caro mestre Paulo Cesar Nascimento, o "Professor Nascimento". Vá ao link indicado abaixo e participe da campanha de conscientização de que os animais perseguidos (como raposas na Inglaterra, ou os bois de Governador Celso Ramos e Floripa) merecem a bela vida que proporcionamos aos demais bois, porcos, galinhas e codornas - pelo menos aqueles que possuem a bondosa marca do carimbo do SIF - sif, o quê? Confira.
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15.3.08

Motel é pra nanar...

Uma dúvida recorrente:




Esse homem foi o relator do Código Penal Brasileiro



Se motéis são locais destinados à prática de condutas com "fins libidinosos", artigo 229 do Código Penal, (o Direito brasileiro, como se pode inferir, saiu das anotações de uma senhora virgem...), por que eles continuam em funcionamento? Resposta das autoridades: porque tais estabelecimentos não foram concebidos com esse fim, mas para serem motor-hotéis, hotéis de trânsito, para descanso de motoristas... Huuumm... Faz sentido. Nada mais relaxante do que hidromassagem e espelho no teto, este para que o viajante, por prudência, só levante da cama quando lhe tiverem sumido as olheiras, indício de pleno descanso e de prosseguimento seguro da viagem.

Mas, então, se motéis são moto-hotéis por que as autoridades presumem, de forma absoluta, que quem entra neles com menores (às vezes membros da família do motorista que, efetivamente, está exausto) não irá para descansar da viagem, mas sim para fornicar (no sentido bíblico) e praticar atos libidinosos (no sentido sacana)?

Parece que a resposta é a seguinte: o empresário de motel é, aos olhos da subserviente autoridade, um sujeito puro e plenamente comprometido com o descanso e a segurança no trânsito, mas seus clientes, esses tarados do volante, não passam de um monte de sem-vergonhas que desvirtuam as melhores intenções do empreendedor, sendo capazes até mesmo de utilizarem essa zona de repouso como zona de... zona...


Se assim for, para conciliar os interesses tributários do Estado (motel gera impostos, renda, quando não paga proteção...) com a letra da lei é só interpretá-la da seguinte forma: quem não presta é sempre o consumidor. E enquanto qualquer desculpa esfarrapada (motor-hotel!) vira indício inquestionável de licitude, mesmo as mais amplas justificativas do consumidor vão esbarrar na hipocrisia de autoridades policiais e na malícia da velha virgem que mandou redigir o Código Penal.

13.3.08

Farra do boi e farra da sociedade

Não tenho simpatia pela farra do boi, como também não tenho por touradas, rodeios ou manifestações do gênero. Para mim poderiam acabar. Tenho sim, e muita, simpatia por churrascarias, circos com números de animais e não me importo muito sobre a forma com que os frangos são criados nas granjas, ou os porcos são transportados até os matadouros, desde que, é claro, cheguem ao açougue antes de sexta-feira. Acho que minha vontade de comer em rodízios de carne, até passar mal, é legítima, culturalmente estabelecida, e, por isso mesmo fora de discussão, não interessa quantos animais sejam necessários sacrificar para me satisfazer o apetite. Bois, búfalos, porcos, ovelhas, javalis, coelhos, frangos, codornas quero todos no meu prato, afinal estou pagando!

Não concordo que crianças trabalhem, em hipótese alguma, ajudando seus pais a vender milho na praia, carpindo na roça ou faxinando no lar. Acho que isso irá comprometer-lhes o futuro. Defendo que lugar de criança é na escola, numa boa escola! E espero que nos horários de folga brinquem com seus pais, passeiem ao ar livre e comam bastante vegetais, sucos e coisas saudáveis. Amo muito tudo isso! Aceito, entretanto, que crianças-show trabalhem nas passarelas e, sobretudo, nas novelas, que possam ter aí sua carreira desde os cinco anos, que brilhem, “porque gente é pra brilhar”, se não der tempo de freqüentar a escola? Ora, a televisão e o teatro são excelentes escolas. Depois, sempre é possível conciliar os horários de gravação com estudos por correspondência. Acho até que o lema protetivo dos pequenos deveria ser: “lugar de criança é na escola, salvo se estiver no palco”.

Os dois parágrafos acima ilustram bem o senso comum moral da sociedade classe-média brasileira do qual, em alguma medida, todos nós compartilhamos. Em sintonia esses parágrafos possuem não apenas a óbvia manifestação de hipocrisia relativista (“o que eu aceito é ético”), revelam também a intolerância absolutista (“o que eu não aceito, ou não compreendo, ou não faz parte da minha realidade, eu quero que seja, em qualquer hipótese, proibido”). Faz parte desse mesmo senso comum moral a limitação ideológica do âmbito do que pode ser discutido. Assim quando um defensor da farra do boi lembra a violência contra os animais em rodeios, nosso simplório moralista sentencia mais uma das pérolas poéticas do debate acusatório: “um erro não compensa o outro”, que deve ser entendida como: “estamos aqui para discutir sua falta de ética, a minha é problema meu”.

No plano moral, os bois merecem respeito. No plano jurídico, a lei proíbe abusos, maus-tratos, feridas ou mutilações aos animais (art. 32 da Lei 9.605/98). Esse é o óbvio. O que é igualmente óbvio é que qualquer interpretação que se dê a essa lei – ou a qualquer outra - irá no sentido de proteger o pensamento cultural dominante. Ou seja: correr atrás do boi até ele cair de exaustão é conduta típica, criminosa; persegui-lo e matá-lo para converte-lo em salsicha é atividade econômica, legítima e correta; fazer o boi entrar no mar por medo dos farristas é abuso; fazer o tigre pular o círculo de fogo sob o chicote do domador é um espetáculo. São casos em que desrespeitando a velha regra de que se a conduta menos lesiva está proibida (cansar o boi) a mais lesiva (matá-lo) também deveria estar, o tal do argumento a fortiori, pois fica estranho quando se persegue o mínimo enquanto se autoriza o máximo.

Ah, é claro, o que varia, nos casos acima citados, é a intenção de quem pratica a ação lesiva ao boi, o tal do dolo do agente. A intenção do farrista é se divertir à custa do boi, algo reprovável sob qualquer ponto de vista. Já a do cliente de churrascaria, não: quando vamos a esses templos de abuso da carne alheia (dos animais) não é com intuito de nos divertirmos à custa deles, não. Vamos às churrascarias por necessidade, pois quem freqüenta essas casas, que vendem rodízios a mais de 20 reais por pessoa, não dispõem de meios alternativos – menos lesivos - de matar a fome. Sendo assim, no mínimo, estaria o freqüentador de churrascaria isento de culpa, pois sua conduta cairia naquele negócio de inexigibilidade de conduta diversa: ninguém pode ser punido por fazer aquilo que não poderia ser feito de outra forma, se comer no rodízio me é uma necessidade imponderável, não posso ser reprovado por fazer essa única coisa que poderia ter feito.

Tudo bem, se a solução pela isenção de culpa apresentada acima parece irônica demais, há outras saídas para continuar a dizer que quem corre atrás do boi é do mal enquanto quem financia a morte de muitos bois é do bem. Vamos apelar para o erro quanto à tipicidade da conduta: quem vai a uma churrascaria sequer se lembra de que o que lhe é servido à mesa tem alguma coisa a ver com as vidas que viviam em pastos; alucinado pela gula, algo plenamente justificável pelas circunstâncias, não tinha como saber que aquele porco que lhe está sendo agora servido foi aquele mesmo que berrou, mais do que os presos nos porões da ditadura, quando começaram os trabalhos do carrasco do matadouro. Acostumado a ver carnes de animais apenas acondicionadas em embalagens a vácuo, o cidadão comum confunde, justificadamente, um boi com uma fábrica de proteínas saborosas. Ironicamente, é só quando os farristas correm atrás de sua usina de proteínas é que o bom pai de família, agora convertido em telespectador da barbárie humana, se lembra de que onde há vida pode haver dor, o que, entretanto, não vai lhe impedir de enviar alguém à cozinha para ver se a costela já está no ponto.

Juridicamente falando, matar muitos animais para saciar muita gula e pouca fome seria conduta não criminosa, todos sabemos, por ser socialmente aceitável, portanto desprovida de tipicidade, pois, em tese, nenhum bem jurídico socialmente tutelado (vida ou sofrimento dos animais de comer) seria ofendido. Para outros, poderia mesmo ser, a exemplo das lesões corporais ocorridas no boxe, um exercício regular de direito, uma excludente de atijuridicidade. Então se saliente que o que está em discussão quando se pretende criminalizar a farra do boi não é se o boi deve ser protegido de toda forma de sofrimento desnecessário, quer sirva à diversão ou à gula humana, o que está em questão é que práticas de violência igualmente culturais (churrascarias, rodeios ou farras do boi) teremos por socialmente aceitáveis. Portanto, o que está em jogo na farra do boi não é, como pensam muitos, um conflito entre natureza e cultura, entre direitos dos animais e direitos culturais. Não, esse é um debate cultura-cultura: entre a cultura de violência contra os animais exercida pela maioria moral (tida como legítima) e a cultura de violência contra os animais de minorias culturais (tida como escandalosa). Violência pratica-se cá e lá, o que varia é apenas sua legitimidade social.

Tradicionalmente, práticas culturais de licitude duvidosas (circos de animais, atiradores de faca e crianças no trapézio, touradas, motéis, farras do boi, rodeios, churrascarias e boates privês) só conseguem o tão sonhado aceite social – a sua tão sonhada exclusão de ilicitude - caso se convertam em atividades econômicas, atraiam turistas e gerem empregos. Nesses casos, nossos freios morais amolecem, a lei evapora, os tribunais dizem que cada caso é um caso e que a melhor doutrina, para o caso, é aquela que diz que este caso não é o caso. Sustentam, então, nossos juristas, que os tempos são outros, que as leis devem ser interpretadas conforme sua historicidade e pronto. Todos nós concordamos. Mas e as crianças no circo? E os animais no picadeiro? E as moças profissionais das boates? E os touros para serem derrubados à unha? E os locais destinados a encontros para fins libidinosos (art. 229 de Código Penal)? Ora, que eu pare com isso, a sociedade precisa de válvulas de escape. Precisa, sobretudo de válvulas de escape à sua própria hipocrisia.

Dogmaticamente, dirão alguns, esse assunto da farra do boi não deve mais sequer ser discutido, afinal até mesmo o STF considerou que a prática da farra do boi é crime. Ao que dogmaticamente se poderia então responder: a farra do boi então é um tipo penal? E foi o STF que criou um crime, um tipo penal, ao arrepio do princípio da legalidade? Nullum crimen, nulla poena sine lege. Qual é a conduta típica? Farrear o boi? Em Santa Catarina, pela ação da polícia, parece ter virado conduta típica transportar bois na semana santa, tê-los em depósito, balançar camisetas à sua frente, beber nas proximidades de locais tradicionais de farra, fazer apologia da tal farra, correr atrás de boi, provocá-lo com palavras e atos (logo, logo será também por pensamento)... Nem o tipo penal do tráfico foi capaz de elencar tantas possibilidades de condutas típicas! Farrear o boi é daqueles tipos de crime (sic) envolventes, abertos, sem defesa, cabe nele tudo o que se quiser e mais um pouco. Daqueles que deixam o cidadão comum encarcerado, a comunidade revoltada e os juristas alienados pela falta de coragem profissional de – contra o peso da maioria moral e de suas próprias convicções particulares – alegar que, ainda que não simpatizemos com a tal prática, há regras e princípios estabelecidos a respeitar antes de se sair por aí anunciando que “por decisão de tal tribunal” a farra do boi tornou-se crime.

Ah, estou me esquecendo das pedradas que muitas vezes sofrem os bois, dos ignorantes que machucam o animal, como se seu sofrer aumentasse a diversão? Não, desses casos não é preciso sequer falar, pois qualquer um sabe que, se houver tais atos, estaremos diante de crimes que merecem punição. Não o de “farra do boi”, claro, mas outros devidamente definidos em nosso ordenamento jurídico. Não há dúvida, abusos sempre há. No futebol e suas torcidas, nos shows de rock, nos bailes funk, no trânsito e no carnaval. Vamos proibir tudo isso e evitaremos certamente que os abusados se passem.

Punir os abusos, as ilegalidades, é dever das autoridades, mas presumir abusos, colocar malvados e brincalhões no mesmo saco, isso é igualmente abusivo. Quer eu ou a sociedade simpatizem ou não com as práticas alheias, esses alheios estão protegidos das minhas intervenções de antipatia pelo império da lei. Crie-se uma lei proibindo a farra do boi, seguindo os princípios da estrita legalidade penal e então poderemos discutir dogmaticamente sua ilicitude. Por enquanto, está um a zero para os farristas: farreamos as regras da dogmática para criar um tipo penal ad hoc.

O problema é que quando uma prática cultural no seu todo é considerada errada – mesmo que haja nela vários aspectos legítimos e não criminosos - é que se a joga completamente para a clandestinidade, para fora do âmbito de supervisão da autoridade que poderia agir mantendo-a dentro do âmbito da licitude (não é essa a função de tantos policiais nas partidas de futebol?). Quando toda uma prática cultural torna-se clandestina, tendo que ser feita de madrugada, no mato, longe da mídia e da polícia, aqueles que pretendem apenas brincar com o boi terão que conviver lado a lado com os perversos, e todos serão igualmente tidos como criminosos. Não há mais trigo, tudo vira joio.

Em breve, será sexta-feira-santa. Católicos não irão a churrascarias. Será um dia de trégua na gula sobre a carne de outras espécies de vida. Será, portanto o único dia em que desprovidos de hipocrisia poderemos legitimamente condenar a farra do boi. A partir do sábado, o consumo exagerado da carne que já foi vida nos pastos será liberada, e com ela toda nossa hipocrisia.

8.3.08

Veja: a matrix da estupidez

Não é raro que organizações se utilizem dos melhores princípios para os piores propósitos, como faz a revista Veja com o nobre princípio da liberdade de imprensa. Usa-o para o abuso. E só.
Mas num país de analfabetos, em que até Diogo Mainardi pinta de intelectual e onde simplórios tomam por verdade aquilo que a Matrix midiática implanta em suas mentezinhas de escassos neurônios, tudo se torna miseravelmente compreensível...

O prestigiado intelectual e jornalista Luis Nassif teve a ousadia de enfrentar Veja, fazendo uma radiografia dos interesses por detrás de suas "reportagens", vale a pena conferir!


Se a censura servisse para alguma coisa, e o Estatuto da Criança e do Adolescente fosse corretamente aplicado, seria preferível liberar a Playboy (onde, por certo, as moças também são apenas parcialmente reais, e o restante inventadas no photoshop, - mas quem, afinal, se importa com a ausência de celulite na Juliana Paes?) e proibir a Veja para menores de 18 anos (e para portadores de reduzida capacidade mental). Pois essa sim é revistinha de sacanagem. Ô, se é!