17.3.07

As condições sociais fazem parte da essência humana?

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Para explicar a natureza do ser humano, várias metáforas já foram propostas. Numa delas, o indivíduo é comparado a uma cebola. Nada mais seríamos do que uma sobreposição de cascas sem que nenhuma delas fosse a essencial. Sob as cascas, apenas mais cascas. Essas diferentes camadas de cascas são aquilo que aparentamos para nós e para os outros. Mas, o mais grave: somos apenas essa justaposição de aparências. Se o descascador da cebola não puser um limite à retirada das camadas, não sobrará vegetal algum. Se retiramos do indivíduo suas “máscaras” sociais não encontraremos nenhum rosto a servir de base. Portanto, quando se diz: “Se aquela pessoa não fosse bonita e rica, ela não seria assim arrogante”, a partir dessa metáfora teríamos de dizer: “Se essa pessoa não possuísse dinheiro e beleza não seria ela, seria outra pessoa”. Assim como se à cebola lhe faltassem as cascas, não seria mais uma cebola.
Uma segunda metáfora compara o ser humano a uma noz. Temos uma casca dura, compacta e resistente. Mas, por trás dela, há uma semente, nossa verdadeira natureza. Quem vê a dureza da casca não pode antever a textura da semente. Muitas filosofias, religiões e práticas terapêuticas andam à cata dessa semente por suposto escondida sob camadas de impurezas. Querem libertar o verdadeiro “eu” do indivíduo, preso à inautenticidade de suas contingências. Nesse sentido, riqueza e beleza são cascas que deturpam a visualização da essência. Não é à toa que, desde a Antigüidade, iniciações religiosas passam pelo martírio do corpo e pelo abandono de riquezas, pois que elas mascarariam nossa essência.
Uma terceira metáfora vê a identidade humana como um diretor de teatro a alternar máscaras por pura conveniência do espetáculo. O filósofo Bertrand Russell (1872-1970) aconselhava: “Acredito que uma pessoa civilizada, homem ou mulher, tem uma imagem de si e sente-se incomodada quando acontece algo que parece empaná-la. O melhor remédio é não ter só uma imagem, mas uma galeria delas, e selecionar a mais adequada para o incidente em questão. Se alguns dos retratos são um pouco ridículos, e daí?, não é prudente nos vermos o tempo todo como heróis de tragédia clássica. Mas também não recomendo que alguém se veja sempre como um palhaço de comédia, pois os que fazem isso ficam ainda mais irritantes; precisamos de um pouco de tato para escolher o papel mais adequado à situação”. Numa perspectiva sociológica em que o que interessa é a maneira como somos vistos socialmente, pois é ela que mais profundamente interferirá em nosso destino social, o conselho do filósofo britânico é tentador. Uma eventual essência – desconhecida – não possui, por seu próprio desconhecimento, relevância em nossas relações sociais. O que não impede que seja motivo de uma busca - por vezes tão penosa quanto descascar uma cebola.

Fonte:
SELL, S.C. Comportamento social e anti-social humano.

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