15.11.07

Proibir os pit bulls?

Seria um tanto ridículo ser contra os cães da raça pit bull em si mesmos. Enquanto seres vivos, esses animais têm seu valor intrínseco e merecem um tratamento respeitoso e protetor. Mas parece razoável concluir que não se tratam de criaturas adequadas para conviverem entre humanos, como se fossem uma raça de cães qualquer. A história das motivações dos homens que “projetaram” esse cão - para o combate sem tréguas - hoje condena a possibilidade de circularem livremente entre nós. O sangue do guerreiro destemido, de um kamikaze preparado para as ultimas conseqüências na arena, ferve-lhe nas veias, não raro transbordando em violência contra a espécie que os criou.
A agressividade elevada, que era virtude no cão guerreiro, torna-se hoje tragédia, quando dele se esperaram coisas simples, como fazer companhia ou brincar com as crianças. Excepcionalmente pode até dar certo, mas não haverá surpresa se ocorrer o óbvio.

Com efeito, tais animais foram a resultante de cruzamentos seletivos artificiais (realizado por homens dados a rinhas de cães, ataques a touros (bull baiting) e outras truculências), privilegiando-se, em cada nova geração, os indivíduos mais agressivos- cujas matrizes, em geral, provinham de cães bulldogs e terriers ingleses. O resultado foi uma raça com muitas qualidades (coragem, tenacidade, resistência), mas com sérios problemas de comportamento no convívio com outros cães e seres humanos. Isso não significa que não haja pit bulls dóceis (tanto quanto há poodle agressivos), mas o normal, o padrão da raça, é seguir suas propensões genéticas. Entre elas, está a de ser um “predador”. Estudos norte-americanos mostraram que, comparados ao padrão-ouro dos cães de guarda (o pastor alemão) há uma diferença notável quando ambas as raças perseguem possíveis agressores: o pastor alemão dirige-se ao agressor mais forte, o pit bull, ao agressor mais frágil. Isso explica por que pit bulls agridem mais crianças e velhos do que qualquer outra raça: eles preferem presas debilitadas.

O outro lado da guia

O segundo problema, talvez maior que o primeiro, é o do perfil típico do criador de pit bull. Uma simples olhada no parque de sua cidade já mostrará que os donos desses animais costumam ser indivíduos tão preparados para a agressão contra humanos quanto seus cães: camisetas de academia de luta, músculos salientes, olhares enviesados e um pit bull na cartucheira. Como seus bichinhos, muitos desses donos também são predadores, escolhendo vítimas frágeis (homossexuais, prostitutas, pacatos cidadãos, além de cães abandonados) para agredirem e fugindo quando encontram seres do mesmo tamanho.

Como esperar que pessoas que desejam, elas mesmas, se passarem por versões modernas de membros da horda de Gengis Khan possam educar seus cãezinhos como devido? O mais provável é que valorizarão os atos de agressividade dos seus animais, contando vantagem a respeito do estrago que fizeram no vira-lata que ousou latir para ele (qualquer um dos dois). A genética propensa a violência do cão mais um dono educado (?) para a agressividade só há de resultar em perigo público. Focinheira nos dois!

Certo, há exceções. Há pessoas que não possuem esse perfil, mas optaram pela raça pit bull. Tratam-se, em geral, de pessoas boas, mas mal informadas: aquelas que quando seu filho perder a mão para o Totó de estimação, dirão com deslavada ignorância: “Eu não entendo, ele sempre foi um animal tão dócil... não sei o que aconteceu!”. O que aconteceu é que seu tratamento – ainda que afetuoso - não poderá barrar uma genética de combate. Se você discorda, se acha que o “amor tudo vence”, leve uma oncinha para casa, trate-a com amor e Parmalat, e depois deixe-a tranqüila cuidando do seu bebê...

Não. Não estou sustentando que os animais – pit bull ou onças – são maus. Bom ou mau são adjetivos para humanos, não para animais. Eles são o que são e é simplesmente por isso que devem ficar em lugares adequados para eles e seguros para nós.

Pode ser que seu pit bull nunca cause mal a ninguém. A maioria não vai causar (calcula-se que “apenas” 10% da raça são descontroladamente agressivos) . Mas, enquanto sociedade, temos que ser forçados a pagar para ver? O direito de alguém ter o cão agressivo da moda é tão substancial a ponto de, por isso, se permitir um aumento considerável do risco a ser suportado pelos demais? E tal risco não se reflete apenas na segurança concreta (ser efetivamente mordido), mas sobre a sensação de segurança. Quando uma mãe tira seus filhos do parque, porque ali há um brincalhão pit bull, ela está evidenciando que a imagem da raça, por si só, lhe causa aflição, e é um direito dos freqüentadores de parques não precisarem confiar na afirmação do simpático (!) dono do cão que sempre vai dizer: “Ele é mansinho, dona”, - para logo depois estar numa delegacia chorando “Eu não sei o que aconteceu...”.

Pit bull bom é pit bull longe.

Proibir resolve?

Mas tudo isso não me leva de imediato a ser favorável à lei que proíbe tal raça. Isso não vai funcionar. O resultado provável dessa lei será uma onda de “cruzamentos de disfarce” entre pit bulls e outras raças agressivas (fila, mastim, rottweiller...), com resultados comportamentais ainda mais instáveis. A proibição tout court da raça impedirá a possibilidade de fiscalizar os canis legalizados – com criadores responsáveis - e se colocará a criação destes animais em mãos clandestinas, muito mais próximas à criminalidade.

De minha parte, se fosse consultado, sugeriria uma espécie de “porte de cães de raça perigosa”: determinadas raças só poderiam circular devidamente identificadas – a falta dessa identificação oficial levaria à imediata apreensão e, possível, perda do animal. Tal porte valeria para todas as raças de porte e ferocidade relevante. Já certas raças específicas, como o pit bull, só poderiam permanecer em propriedades particulares, nunca em espaço público. O dono do canil teria que registrar cada ninhada junto à Secretaria de Segurança Pública, respondendo administrativamente caso vendesse ou doasse qualquer animal, sem a devida identificação e comprovação de endereço do novo titular.

Paradoxalmente, a mais eficaz política de restrição a uma conduta é a que a permite sob estrita regulamentação, e não a que proíbe em absoluto. Isso vale também para bingos, drogas ou qualquer outra coisa que, de forma risível, o Estado vem tentando, há anos, combater de forma absoluta e cujo resultado prático aproxima-se de zero.

Finalmente, não custa lembrar que qualquer pessoa que for atacada por um cão tem o direito pessoal e o dever para com a sociedade de processar civelmente o responsável pelo animal. Não deve se contentar com o eventual processo penal que, infalivelmente, terminará nas debochadas “cestas básicas”. Chame um advogado e solicite que ele ajuíze uma ação pelos danos materiais (tratamento médico, cirurgias plásticas etc.) e morais (traumas, vergonha pelas cicatrizes ou qualquer outra coisa). Só quando o irresponsável pai de um desses adolescentes e seus cães ferozes precisar vender a casa de praia para pagar as despesas com o processo em face do sofrimento alheio, deixará de considerar que sua “criança está apenas exercendo seu direito”.

Se cada mordida tiver uma resposta cara e exemplar do Judiciário em benefício da vítima, não será nem preciso a lei proibir os cães violentos, os pais, voluntariamente, porão fim a prática de dar de presente aos seus garotos feras de passeio, utilizadas para disfarçar a dificuldade de diálogo de um lado e a covardia, do outro.

Um comentário:

Anônimo disse...
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