12.5.07

O Papa e os que nele não crêem

Bento XVI é uma pessoa controversa. Possui muitas certezas sobre a forma correta de ser católico. Condenou padres e tendências – como a teologia da libertação – ao silêncio. Falou mal da mídia por ridicularizar a castidade, tem o poder de canonizar pessoas e, em razão disso, vamos ter “o primeiro santo brasileiro nascido no Brasil”. Até aí tudo bem, ele é o chefe máximo da organização católica e por isso pessoa mais do que legítima para dizer o que devem fazer os católicos e, sobretudo, os sacerdotes desta milenar religião.
Compreendo também o tratamento Vip dado ao Papa em sua visita ao Brasil, afinal ele é o chefe do Estado do Vaticano, e líder espiritual da maior parte dos brasileiros. São gastos públicos - helicópteros, segurança, ostentação sem tamanho – que milhares de fiéis de outras crenças (ou de crença nenhuma) são chamados, como se fossem católicos, a pagar. Seria difícil passar a conta apenas para os católicos e, então, vamos repartir fraternalmente o pão do prejuízo.

Mas o que me incomoda, enquanto adepto das conquistas democráticas do estado de direito contemporâneo, são certas pressões que o Papa quer exercer sobre o Presidente para que o ideário do Vaticano se materialize entre nós. Em particular a retrógrada idéia do ensino religioso nas escolas públicas. Ora, o Brasil é um país laico, em que deve vigorar a estrita separação entre religião e Estado, ou seja, aqui devemos gozar da liberdade religiosa, que, nas palavras de Feu Rosa: “consiste no direito que todo indivíduo tem de professar a religião que desejar, de ser ateu, de ser contra toda e qualquer religião.” A liberdade de crença é, portanto, o direito de crer em algo ou em coisa nenhuma.
Professores neutros?
A única solução para se ministrar aulas de religião em escolas públicas, em consonância com o princípio da liberdade de crença, seria ensiná-las de forma imparcial, mas isso não me parece possível. Como um não-cristão vai explicar o mistério da concepção ou da ressurreição de Cristo sem, pessoalmente, acreditar que tais são possíveis? Ele se veria forçado a explicá-las mais ou menos assim: “Os cristãos acreditam que, contra toda evidência científica, uma senhora (a que chamam Nossa Senhora) teria gerado um filho, a quem chamam Messias, sem a participação masculina!; e que este mesmo filho transformava água em vinho, andava sobre as águas e morreu para, em seguida, retornar à vida.” Igual dificuldade teria um professor adepto do judaísmo de ensinar a doutrina da tolerância pregada pelo Islamismo. E um adepto do islamismo, poderia mostrar o que há de importante no Budismo? Ou o apresentaria como uma crença curiosa do extremo oriente? Como um petencostal ensinaria a doutrina de Alan Kardec? Não se podendo proibir os professores de serem eles mesmos adeptos de alguma religião, melhor que cada pastor cuide do seu rebanho.

Escolas confessionais
A verdade é que o Papa quer o ensino religioso nas escolas brasileiras porque sabe que, na prática, prevaleceria o ensino católico. Mas se a Igreja quer ensinar às crianças sua doutrina que o faça nas suas escolas particulares. Mas aí, dirão alguns, só os mais ricos terão acesso. Isso mesmo, por uma decisão histórica, muito estranha por sinal, a Igreja se ocupou preferencialmente da educação daqueles que não precisam de caridade. Ou você, leitor, conhece muitos pobres que freqüentam escolas com nomes de santos? E em hospitais com nomes bentos, você é atendido por caridade?

As alas da Igreja que historicamente ficaram ao lado dos pobres, que diziam que Jesus tinha feito uma opção preferencial pelos necessitados, essas alas são justamente as que Bento XVI quer calar. Os cardeais, bispos e padres que lutaram por melhoras sociais, aqueles que enfrentaram a ditadura, os que foram mortos por defenderem miseráveis de latifundiários e seus jagunços, esses estão na esquerda do Papa. É que ele prefere aqueles que saem por aí dizendo que o problema do mundo é a falta de castidade pré-matrimonial...

Além do quê, se o ensino religioso tornasse as pessoas melhores, a ditadura, militar que gostava de coisas como educação moral e cívica e ensino de religião, não teria produzido tantos torturadores. Se ensino religioso conseguisse tornar as pessoas mais caridosas, grande parte das capitais brasileiras, onde as elites só estudam em colégios católicos, já teriam se tornado o paraíso na terra.

Em resumo, o Papa que chame de santo quem ele quiser, que diga ao seu rebanho o que é correto para um católico, mas que se lembre de que, até que ele mostre a versão original da procuração que recebeu de Deus para falar pelo Céu, ele está na mesma situação de qualquer outro líder religioso. Nem mais nem menos.

3 comentários:

Geraldo Macedo disse...

Sandro. Muito interessante este teu ponto de vista. Eu não havia percebido sob esta ótica. Parabéns pelo artigo.

Prof. Geraldo Majela Ferreira de Macedo,M.Eng.

Geraldo Macedo disse...

Sandro.
Muito interessante o teu ponto de vista. Eu ainda não havia percebido por esta ótica. realmente dá o que pensar.
Parabéns pelo artigo.
Um abraço,
Prof. Geraldo Majela F. de Macedo, M.Eng.

Maria Júlia Manzi disse...

Professor:
Li seu livro "Comportamento social...", e vez ou outra olho o blog. Por isso tenho motivos para admirar-te como professor e como autor.
Concordo com o senhor e também sou contra o ensino religioso em colégios públicos. A Igreja deveria é investir em catequese dada nas igrejas, pois aula na escola provavelmente faria criar aversos e não adeptos a Igreja.
Mas discordo de alguns comentários seus...
Os colégios católicos nasceram, em sua grandíssima maioria, justamente para dar aos pobres o mesmo nível de ensino que tinham os ricos. Parece que o sr desconhece, por ex, que o colégio Catarinense dá, no período noturno, com a mesma qualidade, ensino gratuito para centenas de crianças carentes.
Hospitais católicos de caridade?? Só a Madre Teresa de Calcutá fundou mais de 400 espalhados pelo mundo inteiro. Gratuitos.
O que há de errado na Igreja é justamente o que o senhor elogiou. Teologia da Libertação, padres envolvidos com política e movimentos sociais. Ação social sim! Movimento social, nunca! A Igreja não tem, de maneira alguma, que se meter em assuntos políticos.