24.5.08

Em um momento de necessidade

A propósito, você sabe como se faz foie-gras?



- A entrada? O chef recomendou foie-gras. Eu já falei com a importadora e eles não têm o Château Montus Cuvee Prestige da safra que você recomendou, querido. Eu sei que o sommelier insistiu, peça pra ele ligar pra lá e ver o que pode ser encontrado a tempo. Meu amor, o seu assessor pode esperar mais uns minutos, não vai morrer por causa disso e esse jantar está me deixando maluca. Quem é que nós vamos colocar ao lado do Senador? A Júlia? De jeito nenhum, ela é muito inconveniente... Não, eu não vou contratar um cerimonial, não confio nessa gente pra uma noite tão importante. É o futuro da nossa filha que está em jogo.

Lourdes quase não escutava a enxurrada de palavras da patroa, absorta que estava em seu drama particular. Assim que Dona Luciana desligou o telefone, falou entristecida:

- Dona Luciana, tenho que ir embora hoje para Jequié. Papai morreu ontem, mamãe está de cama. O Joílson me deixou semana passada e recebi uma ordem de despejo...
- Lourdes, você é uma ingrata! Não acredito que você vai me deixar na mão logo agora, que estou em um momento de necessidade!




[Esse conto é do Paulo César Nascimento, amigo de longa data e autor premiado, inclusive na Europa. Seu Sutis indecências e outros encantamentos é obra-prima, mas não dessas que, pela grana envolvida e prestígio dos editores, estão na lista dos mais vendidos (e lá permanecerão até que a grana se supere em outra biografia de um ex-BBB). A obra de Paulo, não é de boutique, mas coisa de antiquário ou de brechó. É uma daquelas felizes raridades, quase incógnitas, que o leitor incrédulo acha, folheia ao acaso, compra pelo preço e, assim que lê, culpa-se só pelo vacilo que quase o levou a não comprá-lo.]

2 comentários:

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...
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