19.4.08

O falso em nós...

É de manhã; mas não há manhã que possa restaurar
O que pusemos a perder.
Não vejo pecado algum:
O mal está misturado. Na trágica vida, Deus sabe,
Não há necessidade de vilões! A paixão tece a trama:
Somos traídos pelo que há de falso dentro de nós mesmos.
George Meredith (Modern Love). Imagem: Di Cavalcanti

12.4.08

BIG BROTHER ISABELLA




"Pau nos cornos dos acusados!"
Frase da sabedoria popular



Eu não sei quem matou Isabella. Posso supor, posso deduzir, posso intuir, inferir, deixar-me levar pelo meu espírito justiceiro e vingativo, mas a verdade é uma só: eu não sei quem matou Isabella.

A polícia também não sabe: ela pode intuir, deduzir, torcer, enaltecer, denegrir, falar em porcentagens (“Já temos 70% de certeza de quem matou Isabella”! - Isso é equivalente a dizer que a menina estava 60% morta quando chegou ao solo. Ridíiiiculo!), mas que, até agora, não sabe, não sabe. Se soubesse teria municiado o promotor com argumentos capazes de sustentar a prisão dos acusados.

(É só um tal de ouvi dizer, ouvi falar, uma testemunha tardia disse que, a perícia não concluiu até o momento, um vizinho do outro prédio disse que viu, um telefonema foi dado não se sabe por que, um garçom apareceu, um pedreiro desmentiu, uma pessoa de “nível” ouviu.... Credo! A gente se acostuma vendo CSI e depois cai nessa realidade bem brasileira do diz-que-me-disse, do escutei-há-10-dias-mas-só-agora-notei-que-era-a-voz-da-vítima)... Dá até vergonha.

O povo não sabe quem matou Isabella (ele mal sabe quem descobriu o Brasil). O povo pode acusar, gritar, deixar vazar seus instintos mesquinhos, histéricos e justiceiros, mas ele não sabe de nada. Nunca sabe. Ele, em seu conjunto, é um ente estúpido, barraqueiro e Ridíiiiculo! O que ele quer é gritaria, cerveja, carnaval, sangue e gente pelada; entrevista com jogador de futebol, Faustão e gente estraçalhada; Calypso, notícias de morte e dança dos famosos.

Quem, afinal, são essas pessoinhas que, sem ter qualquer relação com os envolvidos no caso, deixam as atribuições do cotidiano para gritar a pessoas que, até que se prove o contrário, são inocentes: “ASSASSINOS, ASSASSINOS!”?

Cuidado com essa gente: elas atiram primeiro, depois verificam o que ocorreu. É por causa desse tipo de precipitação estúpida que Jesus foi crucificado, que os donos da escola de base tiveram sua casa e reputação destruídas (sob a acusação de que abusavam de crianças) e que tantas pessoas foram linchadas antes de sair a sentença que as absolveu.

Não defendo os Nardoni. Sei que eles têm muito a explicar. Acho, como todo mundo, que eles acabarão condenados. Mas eles podem, com todo direito constitucional e processual a seu favor, me dizerem: “Seu ACHO é problema seu”, “Você não nos conhece, não sabe como lidávamos com minha filha e enteada dela. Nunca esteve lá. Então, ou você arruma provas, ou sua opinião, juridicamente falando, vale tanto quanto nada.”.

Sinto, mas ele têm razão.

O que se está discutindo não é mais o destino do casal. E sim se os acusados possuem o direito de que seu caso não vire um enorme Big Brother:

- Ligue 00300xxx para eliminar Alexandre;
- 00300YY para eliminar a Sra. Jatobá;
- Agora se você acha que foi a mãe de Isabella, porque ela não chorou “como devido”, ligue para 0300ZZZ”;
- Já se você acha que foi o porteiro, uma vez que o casal não possuia mordomo, ligue 00300MMM.


Logo, logo sairá o nome dos eliminados. Se a resposta não combinar com o que achamos, amaldiçoaremos a Justiça por dar mais importância a detalhes como “ausência de provas” do que a nossa opinião; mas se combinar, justiça foi feita!

Não sei quem vencerá esse BBB, mas sei que muitos “um milhão” já ganharam cada emissora de TV na exploração do sadismo público. O povo também está tendo seu pão e circo: nada como jantar ao sabor da reconstituição do caso “Isabella”.

A queda da pobre menina serviu ao menos para tomarmos ciência de uma coisa: somos um povo incapaz de esperar um julgamento isento. Somos mais ligeiros do que qualquer perito, mais contundentes do que qualquer promotor, botamos delegados no chinelo e lamentamos a falta de senso dos nossos juízes, assim como a malícia dos advogados. Tirando nós, os demais são uma lástima!
Melhores que os outros,

Conosco Jesus jamais teria sido crucificado: já o teríamos matado no caminho!

10.4.08

Eu falo na cara!








Sem máscaras, somos bem mesquinhos, simplesinhos, despreziveisinhos - quase nojentos.
.
[Por isso quem quer ter ídolos, deve deles manter distância
E quem quer eternizar um amor, jamais deve concretizá-lo...]


As coisas sem disfarces raramente valem a pena.

Mas

Com algumas pinturas, leituras, disfarces, gestos calculados, detalhes não contados e gentileza somos até bem apresentáveis...
[o melhor de nós é o que não somos, habitualmente...]

Devidamente preparados para o encontro, dá para nos admirar, até nos amar
[sobretudo pelo que o outro não viu, mas que supõe ser o melhor em nós..."]

[O amor vive de segredos que supomos guardados no outro]


Mas

Alguns simplórios pensam que, para serem autênticos, devem

Falar verdades aviltantes na cara alheia

Não levar desaforo para casa, despejando toda a sua animalidade "natural" em quem cruza o seu caminho

Não usar pinturas, tinturas, modas e polidez

Deus me livre de pessoas 100% autênticas!

Não quero para amigos, para amores, para colegas os que vivem descobrindo meus defeitos, minhas infâmias, meus complexos para apontar o dedo,

Pois eles não podem apontar em mim nada que eu já não houvesse descoberto

E que contava com a civilidade dos amores e dos amigos para continuar ignorando

8.4.08

Encontro de juristas

PROVAVÁVEL ROTEIRO

1ª. Parte
ABERTURA
Aproximadamente uma hora de atraso para a chegada do palestrante.
Quase uma hora para compor a mesa de honra, formada por aproximadamente 1/3 dos presentes. (Não se encante: você ficará aí embaixo mesmo...)

2ª. Parte
HOMENAGENS (Aproximadamente metade do tempo restante. É nessas horas que você ficará sabendo que o Ministro tal, o juiz qual, o promotor X e o procurador Y só não foram canonizados, receberam o Nobel e venceram o Big Brother por pura incompetência do Papa, da Academia e do Pedro Bial. (Não, meu filho, você não será homenageado, mas não se importe: os advogados e os professores também não).

3ª. Parte
PALESTRA PROPRIAMENTE DITA
No início era verborragia e ela logo se fará sono.
Depois serão as mesóclises, os arcaísmos, os doirados rococós e os truncados barrocos (que você não vai entender, mas não se preocupe, ao contrário, dê graças a Deus: essa é uma daquelas ocasiões em que, de fato, é melhor ser surdo).
Finalmente, serão ditas umas coisinhas que todo mundo que estuda Direito já sabe e que todo mundo que não estuda não precisa saber.

4ª. Parte
OS DEBATES IMPROPRIAMENTE DITOS
A essa altura, os colegas da mesa já sabem que o palestrante não disse coisa com coisa, mas, para manter a tradição, o moçoilo engravatado da direita se derreterá em elogios aquela que foi “quiçá, a melhor explanação sobre o tema já produzida em solo auriverde...”.
Por sua vez, o debatedor da esquerda, que durante toda a palestra ficou fazendo cara de contrariedade, agora, que chegou a hora do “vamo-ver”ao invés de questioná-lo, irá acrescentar alguns exemplos para confirmar a “fenomenal verossimilhança” do que o colega acabou de explanar. ( Se for da tribo do gelzinho na cabeça vai até dizer, sem receios, “fiquei até arrepiado.” – ui, ui, ui).

5ª. Parte
AS PERGUNTAS DOS ESTUDANTES
Serão selecionadas três, e, pelo menos uma delas, tentará fazer o que o debatedor não fez: polemizar.

6ª. Parte
A RESPOSTA DO PALESTRANTE
Após escutar a pergunta, com a maior cara de tio bonzinho diante de sobrinho revoltado, dirá o falador:
“Entendo sua discordância. Ela é própria da juventude. Eu também já militei no movimento estudantil...” (e lá vai mais meia hora de biografia do palestrante, quando ele era menino em Barbacena...).

Finalmente, sem responder a provocação (imagina!), o palestrante encerra a “discussão” dizendo que o Brasil precisa de mais gente como aquele estudante.... e pede aplausos (e, é claro, recebe).

7ª. Parte
O ADIANTADO DA HORA
“Haveria muito mais coisa a explorar em tão fértil palestra. Mas, devido ao adiantado da hora, fica para uma próxima oportunidade. Boa-noite.”

8 a. Parte
PREJUÍZO
Isso mesmo: você morreu com R$ 25!

6.4.08

O dossiê e a pobre Isabella

Caso Isabela: se os acusados fossem filiados ao PSDB, não se discutiria a queda da menina, mas o "dossiê do delegado".
.
Esse negócio de dossiê para lá, dossiê para cá, está ficando cômico. Agora é só alguém levantar algo imoral ou ilegal contra qualquer membro do PSDB e eles nem se dão mais ao trabalho de se defenderem da acusação: culpam os acusadores de terem montado um "dossiê", coisa que no Brasil da imprensa teletubbies é sempre mais sério do que ter cometido qualquer crime...

É mais ou menos assim:

Suponhamos, a título de exemplificação, que s pais de Isabella (aquela pobre menina que morreu, provavelmente, segundo os indícios, jogada por eles/ou por alguém, do 6o. andar de um edifício em São Paulo), fossem filiados ao PSDB, a provável manchete, numa revista como VEJA, seria assim:

"Delegado do caso Isabella, com ligações no Palácio do Planalto, montou um dossiê contra os pais da menina."

Diante disso o que aconteceria? Ninguém mais investigaria o crime do prédio, apenas o "crime do dossiê". No final, o delegado, pela pressão pública (leia-se "pressão publicada") perderia o cargo, a morte da menina perderia o interesse e o Palácio do Planalto seria responsabilizado.

Não sou filiado ao PT, e já votei em candidatos do PSDB, mas não sou retardado a ponto de achar que é mais importante o suposto crime de montar uma denúncia do que jogar do sexto andar uma criança, ou que é mais importante montar um dossiê que mostre gastos do governo anterior do que a justificação efetiva de tais gastos...

Do ponto de vista prático, os dossiês possuem até sua utilidade. É a tal da doutrina, de origem liberal, e aceita pela Suprema Corte Americana, que sustenta que "vícios privados podem ser benefícios públicos", em outras palavras: que o sujeito que entra no supermercado para achar uma latinha de sardinha com prazo de validade vencido, para com isso pedir uma indenização ao supermercado, pode até estar fazendo isso por vício privado (ganância), mas acabará trazendo benefícios públicos (evitará, por exemplo, que pessoas efetivamente inocentes comprem a latinha vencida e passem mal).


No Brasil, vide casos Celso Pita (denunciado pela ex-esposa), Collor (denunciado pelo irmão), Lalau (denunciado pelo ex-genro), é muito comum que esses vícios privados (inveja, despeito) se convertam em benefícios públicos: cassassão, prisão etc.


Em resumo, vamos nos ocupar dos dossiês sim, mas não a ponto de esquecer da menina do prédio.