28.4.07

Suicidas e matadores

O caso do Supermercado Rosa, em Florianópolis, incendiado pelo funcionário Leandro Pacífico de Souza, de 19 anos, levando à morte de outro funcionário, a lesões em cerca de 30 pessoas e ao risco de uma tragédia sem precedentes em Santa Catarina, não é tão diferente assim do caso do atirador da Virgínia Tech (http://sandrosell.blogspot.com/2007/04/o-massacre-na-virgnia-tech-o-perfil-do.html). Nos dois casos pessoas aparentemente normais, insatisfeitas por motivos banais aos olhos dos outros, mas insuportáveis pela ótica interna desses indivíduos, descarregaram sua raiva no mundo a sua volta.

Poderia Leandro ter-se inspirado em Seung-hui, o atirador da Virgínia, de 23 anos? É possível. Sabe-se, já não de hoje, que o evento suicida - ambos se mataram- é um comportamento extremamente sensível à imitação. Isso ocorre porque no suicídio alguém que era considerado um ser desimportante - um zé-ninguém - torna-se o dramático protagonista daquela que é, sem dúvida, a maior aventura existencial possível: decidir sobre seu próprio fim, quando, onde e por que sua vida terminará. Diante disso, o suicida pode ser reprovado por alguns, mas é admirado por muitos (quem jamais pensou, ainda que por um segundo, em pôr fim a si mesmo?) e compreendido por um número maior ainda de pessoas (“O que faltou fazermos para que ele não desistisse de viver?”). O suicida, que, muito provavelmente, era alguém que se sentia culpado de ser quem era, após a tragédia passa a ser visto como alguém que deveria ter sido olhado com mais atenção, compreensão, carinho. “Vocês poderiam ter evitado isso”, disse Seung-hui em um de seus vídeos, a mesma frase que, possivelmente, estava na mente de Leandro.

Suicídio espalhafatoso
A moda hoje é o suicídio espalhafatoso e criminoso, aquele em que vários inocentes são arrastados juntos à desistência existencial do suicida. Isso lança uma mensagem à sociedade impossível de não ser ouvida: “Quem agora é desimportante?” “Quem agora é só um aluninho imigrante?” “Quem agora é só o funcionariozinho que vocês podem transferir de cá para lá?”. A morte os lançou para a grandeza: do anonimato passaram a celebridades.

Tinham eles motivos para fazer o que fizeram? Pela nossa perspectiva de sobreviventes, claro que não. Podemos argumentar, inclusive, que se queriam se matar era problema deles, mas que não levassem inocentes. Inocentes? Não pela ótica deles; não havia mais inocentes na sociedade: todos que não pararam para lhes dar a devida importância – aquela que julgavam adequada – eram parte da mesma conspiração que lhes tornou a vida insuportável. Inocentes somente eles.

Além disso, quem decide se matar, como no caso deles, acredita que sua vida é um martírio, que são mártires, pois. Mártires são sempre inocentes. Se eles, os maiores dos inocentes, já não podiam viver neste mundo, por que deveriam se preocupar com outros ditos “inocentes”? Que sejam mártires também!

Para compreender Seung-hui ou Leandro Pacífico é preciso pensar a partir da cabeça de alguém que decidiu – sabe-se lá o motivo – que sua vida não vale mais a pena ser vivida. Esperar que pessoas nessa situação tenham pruridos morais, de preocupação com os outros, é um pedido desesperado e legítimo da sociedade que fica. Mas seu atendimento é uma mera cortesia de quem vai. Isso mesmo: quando já não se ganha nada atendendo a um pedido, nem se pode ser punido por não atende-lo, realizá-lo ou não é mera questão de cortesia.

Ambos não foram corteses na morte. É lamentável, mas compreensível. Injustificável, mas ainda compreensível.

7 comentários:

Anônimo disse...

isso eh ridiculo!!!

soh quem conhecia as pessoas pode julgalas!

Ze-ninguem, cara isso eh realmente deprimente, eu conhecia o Leandro, e ele era uma pessoa maravilhosa, adorada pelos amigos e parentes, realmente nao era um Ze-ninguem, talves se vc soubesse antes de escrever pudesse ser melhor sucedido!!!

Sandro Sell disse...

por enquanto só sei o que ele fez e que tinha um amigo chamado kavera...

Sandro Sell disse...

de qualquer forma, vale um comentário adcional. Quando no texto se fala em "zé-ninguém" isso não se refere ao que a pessoa é, mas a como a pessoa se sente (no seu íntimo)pelo menos no momento crucial que a leva a desistir da vida. Isso é algo subjetivo, interno ao sujeito. Veja que todo esse apoio ("era adorado pelos amigos e parentes") não foi capaz de evitar que Leandro se decidisse pela prática daqueles tristes atos. Isso não é enigmático?

Anônimo disse...

Professor

mais uma vez o Sr. mostra que pode escrever bem sobre qualquer coisa! Quem não o conhece, ou quem não conhece nada de nada, é que ao invés de dar sua opinião fica querendo ofender, mas isso é o normal. Sucesso, mestre!

Abraço, Deyse Filipine

Anônimo disse...

é isso ai, mano, tu mexeu num vespeiro. mas tu tá certo. o que o guri fez nao se faz, quero ver se o Kavera conhecesse as vítimas agonizando no hospital ele ia tá dizendo que o incendiário era coisinha boa. e tu já deu a letra, ele podia ser normal, mas agiu anormalmente. ih, fui.


Leoshow

Anônimo disse...

Oi mestre!
Para quem já estuda... é complicado e delicado, entender sobre o suicídio, imagina quem não tem uma base científica neste tema.
Muitas correntes tentam dar explicações sobre o suicídio, a religião, dizendo que são espíritos, a Sociologia,vc explica melhor sobre o q ela diz rsrs, a Psicologia,e suas variadas escolas, que tentam explicar o comportamento aprendido, as escolhas, a liberdade de vir a ser... a Biologia e suas explicações genéticas, neurotransmissores... e por vai...
Eu como estudante de Psicologia penso que Sartre dá uma visão de homem bem interessante. Brevemente falando: de que o homem é um ser em totalização, está sempre se construindo, desconstruindo e reconstruíndo. Então nosso "eu" pode se complicar psicológicamente através das situações ao nosso redor, através do que eu faço com aquilo que os outros fazem de mim... Acredito muito nisso, não somos só vítimas, somos responsáveis pelas atitudes e escolhas que tomamos. Bem, não sei se fui clara, não sou muito boa para questionar casos, por enquanto, estou apenas engatinhando no ramo, mas tentei contribuir um pouquinho. Um forte abraço querido Sandro! Parabéns você é um grande mestre!

Anônimo disse...

Abstrair é usar a inata capacidade de discernimento para separar os elementos do problema sem perder o contexto da situação, possibilitando dar-lhe o tratamento adequado através de recursos como a lógica e o conhecimento. Este procedimento não é trivial. Infelizmente ele é exercitado por poucos, não em razão de ser algo transcendental, mas porque é muito mais fácil agir com emoção. Para abstrair é preciso esforçar-se, queimar algum fosfato num raciocínio muitas vezes desgastante, mas que pode se tornar prazeroso.

É da natureza humana agir e pensar usando o menor esforço, tornando corpo e mente flácidos. É tarefa do mestre intermediar conhecimento e treinar mentes para que sejam completas e robustas. Afinal, não nos dizemos seres racionais?

Parabéns pela sua análise do caso do Supermercado Rosa. Sobre um assunto tão polêmico, é de se esperar toda sorte de manifestação. A sua experiência e o seu estilo literário característico, mais uma vez permitiram enxergar uma situação complexa nas suas diferentes facetas, levando o leitor a raciocinar. Seus alunos têm um grande mestre.

Axel Dihlmann